terça-feira, 1 de março de 2011

Tira o olho, ministro, por Abram Szajman

Os desafios para que o Brasil possa oferecer à sua juventude uma educação pública universal de qualidade, que possibilite superar a escassez de mão de obra especializada que se verifica na atual conjuntura de crescimento econômico e desemprego residual, apresentam-se tão agigantados quanto o próprio tamanho do País, de sua população e do passado de descaso governamental para com essa questão estratégica em um mundo globalizado. Nossa recente colocação no Pisa, o programa internacional de avaliação do desempenho estudantil, de 53.º lugar, em compreensão da leitura e em ciências, e 57.º, em matemática, na rabeira do universo de 65 países analisados, dá uma amostra do atraso a ser superado.

Apesar disso, o ministro da Educação, Fernando Haddad, parece mais preocupado em investir contra instituições do setor privado, que há décadas compensam a incúria e a omissão do Estado nessa área - caso do Sistema S -, do que em formular políticas públicas viáveis a partir dos imensos recursos materiais e humanos de que dispõe.

Não pode ser classificado senão como factoide o anúncio de que o governo teria descoberto uma "dívida" bilionária dessas entidades, gerada há vários anos, e agora estaria disposto a cobrá-la, exigindo que desviem parte de sua receita para ampliar a oferta de vagas gratuitas no ensino técnico, o que representaria uma arbitrária modificação do público-alvo para os quais foram criadas.

Para que se entenda o absurdo da propositura, basta fazer um breve sumário da história do Sistema S e de sua relação com o governo federal. Criados na década de 1940 por empresários preocupados com a formação e inclusão dos trabalhadores em uma sociedade que deixava de ser agrária para se urbanizar e industrializar, o Serviço Social do Comércio (Sesc) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) - assim como seus congêneres da indústria - são pessoas jurídicas de direito privado, mantidas por meio de porcentual incidente sobre a folha salarial das empresas. Cabe atualmente à Receita Federal, como antes ao INSS, a tarefa de arrecadar as contribuições e repassá-las às entidades, o que faz de maneira remunerada, recebendo para isso 3,5% do total arrecadado.

Diz agora o governo que entre 1999 e 2004, na hora de dividir o bolo arrecadado por meio de uma guia que incluía também recolhimentos destinados ao Estado (no caso o salário-educação), ele próprio teria se confundido nas contas e repassado aos Ss mais do que devia.

Exemplo típico do caótico sistema tributário do País, essa alegada diferença, ainda que existisse, não teria como ser determinada, em razão de sigilo imposto pelo Código Tributário Nacional. Imagine o leitor se, caso não tivesse em casa aquele relógio que marca a energia consumida, a empresa fornecedora um dia lhe apresentasse uma conta exorbitante de anos passados, calculada apenas por marcadores e registros dela mesma. Seria uma situação de contornos kafkianos semelhante à que se coloca.

O cerne da questão, entretanto, não reside em tecnicalidades e, sim, no fato de que esse é o segundo ataque desfechado pelo ministro para abocanhar recursos e tentar intervir na gestão dos Ss. No primeiro, há três anos, seu apetite foi contido pelo então vice-presidente, José Alencar, que, ocupando a Presidência interinamente com a garra admirada por todos os brasileiros, costurou o acordo que gerou os Programas de Gratuidade atualmente mantidos tanto pelo Sesc como pelo Senac de São Paulo, cujos detalhes podem ser conhecidos nos respectivos portais na internet.

É importante que se diga, porém, que o compromisso com a educação é a própria razão de existir dessas entidades e que suas ações, gratuitas ou de preço simbólico, destinadas a complementar pela cultura e pelo esporte a formação de milhões de pessoas, sempre existiram - a única consequência do acordo nesse campo é que agora elas são escrituradas para a conferência de burocratas em Brasília. Todos os valores por elas recebidos, seja qual for o montante ou a época, foram integralmente aplicados na realização de seus objetivos sociais e educacionais.

Com administrações cujas contas são auditadas pela Controladoria-Geral da União, Tribunal de Contas da União, Conselhos Deliberativos e Fiscais integrados por representantes do governo federal, em sua maioria, e das centrais sindicais, entidades com o Sesc e o Senac, reconhecidas nacional e internacionalmente por seu padrão de qualidade, não podem mais ficar à mercê do verdadeiro assédio moral de que têm sido vítimas.

Como já disse o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, torneiro mecânico formado pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), "só critica o Sistema S quem nunca precisou dele". Por isso, só nos resta pedir: "Tire seu olhar dos Ss, ministro, e volte-o para o Enem, para o Sisu, para o Fies e para o Pisa. São siglas que merecem muito mais a sua atenção dos que as nossas".

Abram Szajman é presidente da Fecomercio

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