sexta-feira, 25 de março de 2011

O BC e seu tradicional balde de água fria

Se um marciano fosse entrevistado sobre a tributação no Brasil, diria que foi desenhada para fazer com que não existissem empresas privadas. Mas elas existem, em uma prova da enorme tenacidade de nossos empresários. Na mesma entrevista poderíamos perguntar ao marciano o que ele acha da atuação do Banco Central (BC) do Brasil, e a resposta seria mais ou menos esta: “não sei o que acontece e nem como vocês escolheram os diretores do seu BC, mas certamente eles são pessoas muito mal humoradas e detestam ver a alegria dos outros”. Seria bom ter um marciano para entrevistar, até porque ele falaria livre de preconceitos e dos vícios que as distorções econômicas do Brasil nos impôs. Estranhamente, achamos tudo normal, e não ligamos para o fato do governo gastar muito e mal, e cobrar de nós a fatura. Também não ficamos surpresos com as ações diárias do BC, que diga-se de passagem fazem parte desse mesmo governo, no sentido de restringir o crédito e o consumo, usando como argumento que, como o governo não reduz a dívida pública nem os gastos, teremos que fazer de outra forma a redução de demanda, e será com o consumidor.

O consumidor terá que arcar, mais uma vez, com o peso da alta de juros, e das restrições de crédito. Será a postergação do sonho do carro novo ou da casa própria que vai financiar o aumento de gastos do governo.

Convém não se enganar: o corte de R$ 50 bilhões no orçamento é, na verdade, um aumento de R$ 62 bilhões de gastos. Nossa contabilidade também seria difícil de ser entendida pelo marciano. A novidade é que não há novidade. Antecipamos com razoável precisão que o BC iria desistir de controlar a demanda via juros e iria passar a atuar sobre o mercado de crédito.

Nas entrelinhas, o BC deixou transparecer que quer reduzir o crescimento do crédito de 20% ou 25% ao ano para algo mais próximo de 10% ou 15%. O problema é que alguns setores muito importantes e ainda nascentes no Brasil dependem inteiramente do desempenho do sistema financeiro na cessão de créditos. É o caso do imobiliário, que tem sido uma vedete de nossas mudanças sociais e do crescimento – sem contar das fantasias do Minha Casa Minha Vida.

Já que o BC passou a tabelar o crescimento do crédito, sugerimos que seria melhor abandonar o sistema de metas de inflação e criarmos um sistema de metas para o crediário: crescimento de 12,5% com margem de mais ou menos 2,5 pontos porcentuais ao ano. Pronto! Pelo menos todos nós, consumidores e empresários, trabalharíamos com uma perspectiva de crescimento de mercado já desenhada pelas autoridades, e o mercado não precisaria se preocupar em ser o mercado, e agir como o mercado.

O grande problema não é a ação do Banco Central em si. Fora a anedota do caso, sabemos que o descontrole de gastos do governo tem que ser enfrentado e ajustado e também já sabíamos que a autoridade monetária ficaria quase sem alternativas. Veio tentando aumentar compulsório, elevar a Selic, elevar exigências para o mercado de automóveis, mas nada disso surtiu o efeito no prazo desejado. Com os dados de aquecimento acima do esperado nos primeiros dois meses de 2011, o BC decidiu fazer aquilo que já imaginávamos, e cerceou um pouco mais o mercado de crédito. E vai continuar nessa toada, podemos apostar. Mas ainda assim, estava na hora de começarmos a fazer o que deve ser feito e deixarmos de lado as improvisações, ou então nos conformarmos com a incapacidade de crescer e consumir de forma mais robusta como em 2010.


Assessoria Técnica 

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