segunda-feira, 28 de março de 2011

Importamos de tudo, até inflação

O mundo globalizado é muito melhor do que aquele das décadas anteriores. O crescimento aumentou, o consumo cresceu muito e se democratizou, a evolução tecnológica acelerou etc. Mas precisamos primeiro entender o que estamos chamando de mundo globalizado. Para nós, é um mundo onde as interações entre indivíduos, empresas e governo se tornou muito veloz, tanto na troca de informações – bastante volumosa –, como no proporção de troca de bens e serviços, cuja velocidade só é limitada pelos meios físicos. Essa agilidade e intensidade de interações é que possibilitou algumas mudanças de patamares técnicos, elevou à categoria de consumidores milhões de pessoas e acelerou o crescimento de regiões antes periféricas e esquecidas do planeta. Recorrendo ao lugar comum, “o mundo ficou pequeno”.

Mas a globalização não ocorreu do dia para a noite. Foi um processo (e ainda é, pois nunca estará acabado) gradual e a sua evolução não foi planejada, ocorrendo de acordo com as possibilidades técnicas aliadas a uma percepção crescente de empresas e consumidores (mais do que de governos) de que a integração e interação faziam todo sentido. Esse processo certamente, como já exposto, trouxe mais vantagens do que custos, mas não é totalmente isento de efeitos colaterais que ainda não aprendemos a lidar. Nas primeiras crises ditas globais (México 1994 e 1995, Sudeste asiático em 1997, Rússia e Argentina em 1998 e Brasil em 1999) aprendemos que alguns instrumentos de política econômica somente funcionam em economias fechadas.

O processo se iniciou com a ancoragem das moedas ao dólar e terminou com as crises de balanços de pagamentos e rupturas cambiais bastante dolorosas. Com a recente crise do subprime nos EUA, aprendemos que os efeitos se espalham muito rapidamente e que o poder dos governos e bancos centrais em controlar o risco sistêmico é muito mais limitado do que nas décadas de 1970 ou 1980. Claro, as regras da economia são as mesmas, como leis, que funcionam em qualquer lugar a qualquer tempo. O problema é que não conseguimos compreender os fenômenos e muito menos antecipá-los adequadamente, até por conta da grande velocidade e transparência que as informações adquiriram.

Neste momento, o mundo está enfrentando mais um fenômeno novo, com bases antigas. Não era mesmo possível imaginar que o aumento brutal da demanda global fosse ficar impune. Alguns sinais já vêm sendo emitidos há tempos, como a pressão sobre as commodities. Não há como manter os preços estáveis quando 2,5 bilhões de pessoas na China e Índia resolvem fazer parte do mercado de consumo de alimentos. Ainda assim, os efeitos negativos estão sendo mais do que compensados pelo aumento de conforto global.

O efeito colateral mais interessante se dá justamente sobre os analistas, que não conseguem avaliar friamente o fenômeno, que a rigor é um pouco simples. Se houvesse um choque de demanda (um crescimento repentino do consumo) em uma economia fechada como a do Brasil em 1970, o resultado seria uma alta de preços e todos economistas seriam unânimes no diagnóstico e nos prognósticos. Como o mesmo ocorre em um mundo globalizado, estamos levando tempo demais para compreender o óbvio, com medo de parecermos antiquados e “estraga prazeres”. Mas é isso mesmo: aumentou a demanda mais do que a oferta, os preços têm que subir.

Esse fenômeno foi encoberto por dois fatores primordiais: o primeiro é que a relação entre oferta e demanda global é mais estável do que entre oferta e demanda local, que estão mais sujeitas a choques e sobressaltos. É mais estável, mas não imune à volatilidade.

O segundo fator que por muito tempo disfarçou esse efeito foi o fato de que as altas de preços por mais de uma década ficaram praticamente restritas àscommodities (e alguns mercados específicos por motivos particulares, caso, por exemplo, de imóveis nos EUA). A mágica por trás dessa estabilidade era apenas um truque: a China conteve o aumento de preços internos com base em uma forte repressão ao consumo. Em outras palavras, a China pressionou os preços de bens de consumo não duráveis como alimentos e matérias-primas, e represou essas pressões mantendo os custos internos arroxados, e fornecendo quantidades olímpicas de bens semiduráveis e duráveis a preços baixos. Resultado, a inflação média mundial era baixa.

Mas, como ensina qualquer livro de macroeconomia, as leis econômicas vão se impôr. As pressões internas da China começam a aparecer e impulsionar os preços de seus produtos – analistas apostam em uma inflação real ao consumidor ao redor de 10% e no atacado acima desse patamar.

Pressões sociais internas para aumentar salários e externas para que a China valorize seu câmbio começam a pavimentar o caminho para uma rodada de inflação dos importados no mundo. O Brasil vai se deparar com esse efeito dado que além dos produtos chineses (e de outras economias emergentes) provavelmente começarem a subir, a taxa de câmbio parou de se valorizar e não vai mais compensar as pressões em dólar. É mais um fenômeno global diferente, que, no fundo, é igual aos anteriores.

Assessoria Técnica 

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