Quando alguém diz que não existem monstros, é porque está tratando do tema com um interlocutor que acredita em monstros. Da mesma forma, ninguém precisa convencer um religioso de que Deus existe, pois essa é sua crença. Quando um ministro vai à TV tratar de qualquer assunto, supõe-se que exista algo a ser dito ou respondido sobre o tema. Se o tema é o controle inflacionário, é porque existe risco de inflação. Se o assunto é o crescimento do PIB, é porque há discussão e/ou divergências sobre o tema. Quando um ministro vai a público dizer que não há guerra comercial contra a Argentina, é porque algo entre os dois países não vai bem.
Na realidade, algo não vai bem com o Mercosul e, principalmente, com a Argentina. As escolhas políticas e econômicas da economia platina não lhes foram muito favoráveis nos últimos anos. A Argentina é hoje um caso clássico de desindustrialização e segue a passos largos o destino que já teve o Uruguai. De uma economia pujante com renda per capita maior do que a brasileira, a Argentina caminhou para uma posição periférica, com PIB menor do que o do Estado de São Paulo e renda per capita inferior à nossa atualmente. Hoje, no Brasil, a renda per capita beira os US$ 11 mil, enquanto a na Argentina não chega a US$ 9 mil. Em poucos anos, as escolhas erradas e populistas levaram os argentinos a uma posição bastante ruim no cenário econômico mundial. Nesse mesmo período, o Brasil fez mais escolhas corretas do que erradas, e avançou política e economicamente no cenário global. Parece que a Argentina andou em más companhias nessa última década e seguiu maus conselhos.
No tocante ao comércio exterior, a Argentina é o terceiro maior parceiro do Brasil hoje, atrás apenas de China e Estados Unidos, nessa ordem. Ou seja, se é verdade que a economia dos nossos vizinhos é importante para a nossa, é mais verdade ainda que o Brasil tem um mercado consumidor e produtor mais importante para a economia argentina do que eles para nós. O Mercosul é mais relevante para as outras três economias do bloco do que é para o Brasil. Mesmo nessa posição confortável, em nenhum momento o Brasil se valeu disso para subjugar ou impor condições desleais às outras economias. Ao mesmo tempo, não foram poucos os esforços de Paraguai, Uruguai e ultimamente Argentina para sabotar os acordos do bloco comercial, principalmente quando o prejudicado fosse o Brasil. São inúmeros exemplos de burlas e de subterfúgios para que as condições preferenciais entre as quatro nações não fossem integralmente respeitadas.
O problema desse tipo de comportamento “infiel” é que em algum momento ocorre a reação. Neste momento, o Brasil, apesar de não haver nenhuma declaração oficial sobre o tema nesse sentido, está de fato retaliando, com razão e justiça, a economia da Argentina. Sob a alegação de que nossa indústria automobilística teve déficit de US$ 2 bilhões somente neste ano, o ministro do Desenvolvimento da Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, disse que as recentes medidas não são restritivas às importações de carros argentinos, especificamente. Seriam apenas ações de proteção de nossa indústria automobilística. O fato é que, a rigor, as medidas da forma em que estão postas impõem barreiras aos carros que vêm da Argentina, logo de cara. Se for preciso, novas barreiras poderão ser erguidas com vistas principalmente à China e à Coreia, mas nesse momento o alvo é claro: Argentina!
O que se dará no futuro com a economia vizinha é incerto, até porque os desmandos macroeconômicos lá são muitos e extensos. Todavia é certo que essa imposição brasileira, como resposta a anos de descaso argentino com a nossa parceria, vai fazer a economia platina patinar ainda mais. Não há almoço de graça, nem mesmo quando o anfitrião é muito generoso. Uma hora a generosidade não reconhecida passa e se mostrar um pouco mesquinha também. Ruim para nós, pior para eles. O livre mercado é uma via de mão dupla, o Brasil já deveria ter deixado isso claro há muito tempo.
Assessoria Técnica
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