Ainda estamos nos rescaldos de 2010. Parece que temos que pagar uma penitência por termos crescido demais no ano passado. É inflação rondando, Banco Central (BC) querendo reduzir o crédito, falta de infraestrutura, aperto no transporte público, são as filas nos supermercados e nos aeroportos. Esse calvário diário, principalmente para quem mora nos grandes centros urbanos do País, parece ser um castigo para lembrar que estamos consumindo demais e que conforto e riqueza em demasia não combinam com o brasileiro. Resignamos-nos um pouco e, de fato, chegamos a concordar que não é justo enriquecer rapidamente.
Essa característica bem brasileira, de se sentir culpado com o sucesso, facilita a vida de nossos governantes. Se prestarmos atenção, veremos que a alta dos preços está sendo atribuída aos nossos pecados da luxúria, da gula e da vaidade, pois gastamos demais no ano passado. O caos nos aeroportos a mesma coisa: quem manda viajar tanto? As estradas lotadas nos fazem estragar os carros, e justificam a elevação dos preços nos pedágios. Para acabar com isso, o governo vai nos punir com mais juros, mais depósitos compulsórios e quem sabe, em breve, com restrição no crediário nosso de cada dia. O déficit em contas correntes é culpa nossa também. Estamos visitando demais a Disney e comprando um monte de bugigangas estrangeira pela internet com o cartão de crédito. Então, mais IOF na nossa conta. De uma forma ou de outra, ficamos verdadeiramente convencidos de que a culpa por tudo isso é do consumidor. Para completar, quem sabe vamos ter de arcar com mais uma CPMF, porque estamos indo muito aos hospitais!
Vamos analisar um pouco melhor. Será que os congestionamentos nas estradas não indicam que há pouca infraestrutura viária? Será que o aperto no metrô ou nos ônibus não é devido à falta de investimento no transporte público? As filas nos aeroportos, com taxas de embarque caríssimas, não são causa da falta de novos terminais e de investimento no setor? Será que tudo isso não está relacionado? Será que não advém do exagero de gastos ineficientes do setor público e da falta de um bom projeto de parcerias que estimulem o setor privado a investir nesses setores? Ou será mesmo que é culpa dos abusos do consumidor brasileiro? Nos últimos dez anos, a despeito da percepção de que o Brasil está crescendo muito, a nossa taxa média de crescimento não chega a 4% ao ano. O consumo cresceu um pouco mais, mas não supera os 5% ao ano. Isso não parece ser exagerado, ainda mais se lembrarmos do ponto de partida, de um patamar de muito pouco consumo e conforto.
A cereja nesse bolo é o mercado de combustíveis no Brasil. No momento em que começam a haver discussões sobre a viabilidade das usinas nucleares como fonte de energia, que o norte da África e o Oriente Médio estão enfrentando sérios problemas sociais e até guerras civis, elevando o preço do petróleo e colocando em risco o abastecimento de energia no mundo, o Brasil deveria estar sendo apontado como a alternativa global. Temos energia limpa das hidroelétricas, o pré-sal e, melhor do que tudo isso, somos pioneiros no uso de energia renovável com a produção de etanol. Neste momento vamos importar gasolina e álcool. Seria cômico, se não fosse trágico. É nesse momento tão especial para o mundo, em que o Brasil se habilitaria como uma espécie de “Shangri-lá” energético, que: não temos pronto o marco regulatório nem dinheiro para explorar o pré-sal; a construção de novas usinas hidrelétricas no Norte do País está sob risco (e muito atrasada); e comprovamos que não temos capacidade efetiva de reagir ao aumento da demanda de álcool, o que elevou os preços e o consumo da gasolina como substituto. Como vamos nos apresentar para o mundo como grandes produtores de energia (de forma geral é o que o mundo vai precisar nas próximas décadas) se não damos conta de abastecer nossos carros? Não parece o cenário de um País cantado como um dos mais promissores do mundo.
Assessoria Técnica
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